agosto 23, 2023
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PALAVRAS-CHAVES: Desejo, Objeto, Histeria.
INTRODUÇÃO
Em todo ser humano, o desejo está no amago de sua vida de vigília e onírica, aquele que não deseja não tem luz, é infértil, e a própria vida se dá origem na satisfação de desejos, e porque desejamos? Seremos nós o senhor da escolha de nossos objetos de desejo?
O filosofo Aristóteles (322), em seu texto em Etica a Nicómaco, cita que, ´´Um desejo pode opor-se a uma decisão, mas já não poderá opor-se a um outro desejo“. Para ele o desejo era algo não mensurado, e fora do controle de nossa psique, que nem sempre o que se deseja é aquilo que nos é agradável. No mesmo texto ele conclui que, ´´O desejo tem vista o que é agradável e o que é desagradável. A decisão, contudo, não é feita em vista do desagradável e nem do agradável (ARISTOTELES, 322).
Nesse artigo buscaremos abordar á gênese do objeto de desejo e suas interferências no caso clinico. O que nos servira como guia, no desenrolar desse liame psíquico, será a luz da psicanalise, que desde Freud, nos revela os anseios humanos, em satisfazer e reprimir as demandas inconscientes e conscientes. Ora, mas qual é a importância do desejo e do objeto que direcionamos a nossa libido para o setting analítico? Freud (1990), em sua obra a interpretação dos sonhos, já elevava, o ato de satisfazer um desejo, a peça fundamental da estrutura da formação do sonho, esse elemento para ele é o que impulsiona tal produção psíquica.
O pensamento, afinal, não passa do substituto de um desejo alucinatório, e é evidente que os sonhos tem de ser a realizações de desejos, uma vez que nada senão o desejo pode colocar nosso aparelho anímico em ação.(FREUD, 1900)
No texto Batem numa criança de 1919, Freud elabora que o menino tem constituído, o desejo de ter um filho com a mãe, e a menina em ter um filho de seu pai, no entanto a impossibilidade do comprimento desse desejo, o leva a fatalidade da repressão, que sucumbem a anseios externos. A lei do mundo externo nos obriga a reprimir o nosso desejo por tal objeto proibido, mas a libido apenas encontra outro caminho a seguir, ou seja, desejar um outro objeto. Será o objeto de nosso desejo, o objeto real, a peça faltante de nossa completude, ou apenas vivemos na falta de um objeto jamais encontrado, e gozamos com objetos metonímicos, uma metáfora desse objeto. Para Lacan, o objeto em que direcionamos nossa pulsão é sempre um objeto reencontrado, este objeto que corresponde a um estágio avançado de maturação dos instintos, é um objeto reencontrado, o objeto que foi inicialmente o ponto de ligação das primeiras satisfações.
Lacan faz uso da elaboração de Freud para afirmar tal condição de objeto sempre reencontrado:
Que de toda maneira para o homem, de encontrar o objeto é e não passa disso, a continuação de uma tendência, onde se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar. (Apud Freud, 1905.)
Desse modo podemos exprimir que o objeto procurado por nossos desejos, não é o objeto real, e sim uma imagem, produzida pelo princípio da realidade, de nossas cadeias de significantes, de nossas fantasias, das defesas, que nossa psique é dotada. E qual é o papel do analista nessa dramaturgia de nossa psique?. Freud (1919) pontua que, no que toca a sua relação com o psicólogo, o paciente deve conservar bastantes desejos não realizados, é apropriado recusar-lhe justamente as satisfações que ele deseja de modo intenso e sobre as quais se manifesta do modo mais premente.
RELATO DO CASO CLINICO: SRA. K.
O caso clinico, diz a cerca de uma, mulher, com 60 anos de idade, solteira, que sofre de sintomas de uma neurose histérica, traz como demanda inicial, a dificuldade de superar a morte de sua mãe. No início do trabalho terapêutico o fato da morte da mãe se datava a 3 meses, um tempo normal para ainda haver angustia relativa à o falecimento da mãe. A paciente faz uso continuo de antidepressivos a 5 anos, e a 15 anos passou por um intensivo tratamento psiquiátrico devido a uma depressão.
K conta que nunca se separou de seus pais, e que a separação só ocorreu com a morte, e que pela primeira vez se viu sozinha, uma vida sem sentido, por não ter mais ninguém para quem cuidar. K relata que seu pai, homem muito severo nas ´´leis de criação“, nunca a permitiu fazer escolhas sem seu consentimento, e isso se deu até a vida adulta.
No discurso clinico sobre relações afetivas, k teve apenas dois namorados, um ainda em sua adolescência, que por demanda do pai, ela teve que reprimir os seus desejos e findar com aquele relacionamento. O outro já na vida adulta, teve uma duração de cinco anos, o único a ter supervisão e autorização de seu pai, porem esse relacionamento terminou de maneira trágica, K descobriu que o seu amante já tinha uma família constituída, com filhos e esposa, esse acontecimento, abriu o caminho para que a paciente, tomasse a decisão de não mais procurar por outro companheiro e dedicar a sua vida aos seus pais.
De modo aleatório a paciente traz a relação de suas irmãs com a falecida mãe, se queixa, do fato de que elas, não se dedicavam a mãe como ela, e que por muitas vezes, cobrava delas para ficarem com a mãe, e que por esse motivo ela se elegeu a preferida da mãe, por ser sempre a que estava próxima a genitora.
O desejo de reencontrar a mãe teve seu ápice aos 3 meses de psicoterapia. A paciente diz que pensou em desenterrar para rever a falecida, e desde então começou a ter um sonho repetidamente, e que ainda pede a Deus o retorno da mãe, mesmo sabendo da impossibilidade de tal prece.
DESENVOLVIMENTO.
Usaremos como seta indicadora, para o entendimento do caso clinico, e conexão com tema aqui proposto, conceitos elaborados de Freud e Lacan.
Antes de mais nada, para que serve o objeto e o desejo dentro da nossa estrutura psíquica, e por qual motivo somos seres sempre desejantes ?. Sobre o objeto Freud indica que:
É uma coisa em relação a qual ou através da qual o instinto é capaz de atingir sua finalidade. (Freud, 1915).
No caso do desejo Lacan indica que, é o ímpeto visando preencher a falha aberta pela falta-a-ser, ou seja a busca ininterrupta do complemento materno, a falta do objeto a uma falta que nos encontra em todos os aspectos da vida humana, por esse motivo, segundo Freud (1905), a pulsão sexual não tem um objeto fixo. Pela falta de um objeto que sacie por completo o nosso desejo, nós ternamos seres desejastes em busca desse objeto, para acabar com a falta. Então desse modo o que nos provoca o desejo, não é o objeto, mas a falta desse objeto.
Em relação ao caso clinico, em virtude do tempo de conexão afetiva para com a mãe, poderíamos de forma rudimentar, interpretar que a resolução desse luto é o real objeto do desejo, que a paciente busca em analise? Oras não seria a repressão do desejo inconsciente da cisão com mãe, que por anos reprimido, por fim teve sua realização, e com isso trouxe à tona, a culpa por esse desejo, a angustia, e o total desemparo como consequência da satisfação desse desejo, encontraremos em Lacan o suporte teórico para entender a dialética da dinâmica do desejo:
O princípio do prazer tente com efeito a se realizar em formações profundamente irrealistas, em quanto o princípio da realidade implica a existência de uma organização ou de uma estruturação, condicionando que o que ela aprende pode ser, justamente, fundamentalmente diferente daquilo que é desejado (LACAN, 1954).
A queixa da paciente referente de suas irmãs faz o tema mudar de tonalidade, onde, de maneira inconsciente, o discurso demostra o desejo de se ver fora daquela dramaturgia, e que nos apresenta um desejo oposto à demanda inicial, que tinha o desejo de reaver o objeto mãe, essa dialética está equalizada com a sua estrutura histérica, a necessidade latente de se frustrar naquilo que deseja, e a forma melancólica de fantasiar e apresentar os seus anseios. Esse recurso vai de encontro a que Freud cita em a interpretações dos Sonhos:
O sistema histérico só se desenvolve quando as realizações de dois desejos opostos, cada qual proveniente de um sistema psíquico diferente, conseguem convergir, numa única expressão. (FREUD, 1900)
Para Lacan, eu desejo não desejar, e por isso, reprimo, me engano e me frustro, o deslocamento do objeto de desejo, há interposição do significante torna impossível a relação do sujeito com o objeto, esse deslocamento trata-se de impedir a satisfação, e ao mesmo tempo, conservar um objeto de desejo, para a Histeria realizar o desejo inconsciente de separação da mãe, resulta em ir contra a sua estrutura, ir em desfavor de seu gozo.
A paciente relata um sonho que vem a se repetir por muitas noites, buscaremos compreender a partir dos direcionamentos de Freud e Lacan, entender o que está em jogo nessa produção onírica. Antes de qualquer suposição, temos que buscar o que se antecedeu na sua vida de vigília.
Há algumas sessões a paciente trouxe que naquele momento o luto e a sua angustia haviam sido superados, o aparente motivo é a morte de uma amiga muito próxima de sua mãe, e que essa pessoa estaria agora, cuidando de sua mãe, e desse modo a mãe não ficaria mais sozinha.
No sonho K está em uma festa, com várias pessoas de sua família e amigos, todos estão em volta de sua mãe, felizes e rindo, porém, K, está distante e não consegue ouvir e nem falar com as pessoas. A paciente conta que esse sonho a deixou feliz por ver a sua mãe, mas a incomodou por não poder estar perto dela.
Freud classifica a realização de desejo nos sonhos em dois grupos:
Encontramos alguns sonhos que se apresentavam abertamente como realizações de um desejo, e outros em que essa realização é irreconhecível e frequentemente disfarçada por todos os meios possíveis. (FREUD, 1990).
Dito de outra forma, a verdade do desejo é por si só uma ofensa a autoridade da lei, então a saída oferecida, a esse novo drama é censurar o desejo, contudo, a censura, como quer que ela se exerça, não é algo se possa se sustentar mediante a uma canetada (LACAN. 1954). Desse modo o desejo inconsciente de negar o lugar de filha, já que para o pai, o lugar de filha era como cuidadora da mãe, ela em sua dramaturgia psicológica, resolveu o sintoma, encontrando uma substituta.
E porque a paciente se via distante em seu sonho, e mãe era o centro da festa, onde todos a celebravam, onde está direcionado a pulsão desse desejo. O vínculo do reconhecimento adquire uma enorme importância na histérica; igualmente, há uma demanda por aprovação e reconhecimento de modo que o outro é utilizado unicamente como provedor de necessidades materiais de afetivas (DAVID, 2005, p 283). Há visão como observador da experiência onírica da paciente, a coloca no centro, no lugar de sua mãe, no amago do desejo dos ali presentes, o seu desejo é ali representado pelo símbolo mãe, a mãe é ali significado de seu desejo, o significante é o desejo de fazer falta, de ser esperada pelos outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desejo e o objeto está presente em todas ás nossas atividades pulsionais, o que é desejado está além da mãe amada apresentada em nosso caso clinico, este amor que vive pura e simplesmente ordem do deslocamento, e que leva ao mais alto grau de apego do sujeito a seu aniquilamento, o desejo se situa na fantasia, e a fantasia nos faz ver de maneira ampliada a nossa relação com esse objeto metonímico, por não haver possibilidade de alcançar o objeto que inaugurou o nosso desejo, pelo simples motivo de que o nosso primeiro encontro com o desejo é com o desejo do outro, seremos seres sempre faltantes, em busca de um objeto que não sabemos o que é, que não o vemos e não o compreendemos, apenas temos para nós a sensação de uma falta, de um significante a espera de um significado, para nossa paciente, a busca de reencontrar essa peça faltante, não difere em nada, da nossa busca, porem o desenvolvimento subjetivo de sua história, para a construção de seus próprios significantes da falta desse objeto e é isso o item fundamental entender o jogo psíquico, e nesse jogo resta para o analista ajudar que o paciente descubra as cartas que estão na mão do parceiro, ou seja, que reconheça o seu desejo como desejo do Outro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
FREUD, Sigmund. Edição Standard das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1990.
FREUD, Sigmund(1919) “Uma Criança é Espancada – Uma Contribuição ao Estudo da Origem das Perversões Sexuais”. Vol. XVII.
FREUD, Sigmund(1920). “Além do Princípio de Prazer”. Vol. XVIII.
LACAN, Jacques (1958) O Seminário, Livro 6: O desejo e sua interpretação. . Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1995.
LACAN, Jacques (1956) O Seminário, Livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1995.
LACAN, Jacques (1973) O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985.
ARISTÓTELES(322): Ética a Nicómaco. Livro I capítulos III y XI.
ZIMERMAN, DAVIED E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática – Porto Alegre: Artmed, 1999. Ed 2010.
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