Vamos falar sobre o Autismo

Estar alheio ao mundo ou simplesmente não atravessar a porta que nos leva ao inicio de nossas experiências como seres humanos, escolher a incrível imensidão da solidão como proposta de vida ou simplesmente explorar a vastidão de objetos e novidades existentes em nosso universo de uma maneira única sem menções ou direções. Explorar simplesmente de sua própria forma e visão, sem regras e formalidades, dando um sentido totalmente próprio para tudo, ou será que, em vez de viver de uma maneira totalmente altiva poderiam na verdade estar preso a um mundo que não mostram aberturas claras de comunicação, que impedem que novas orientações, ensinamentos, direcionamentos sejam acrescidos de uma forma clara. Qual o mecanismo ou a porta que poderia nos dar acesso há um mundo tão único e desconhecido para nós como o mundo de uma criança “autista”, o que conseguimos ver quando olhamos para elas, será que vemos alguém gritando por liberdade dentro de um quarto escuro ou será que conseguimos ver um ser liberto auto-suficiente, tão auto-suficiente que procura não se socializar e consegue extrair de si mesmo a afetividade necessária para poder viver.

            Neste trabalho iremos analisar alguns conceitos sobre o que é o autismo, quais suas principais características e evolução.

E embasado nos questionamentos iniciais procurar iniciar uma busca bibliográfica por um acréscimo em nossos pontos de vista que possam nos nortear e nos levar a olhar em uma direção a qual nos possibilite entender um pouco deste fascinante mundo de uma criança autista. 

Talvez ao ler esta citação ou declaração possa parecer um pouco contraditório com a realidade da vida das famílias que passam por esta situação, chamar de fascinante algo que é descrito como um distúrbio psicológico e até de fatores genéticos por grandes autores e pesquisadores sem contar a visão da própria família que passa por toda uma transformação ao se deparar com tamanha dificuldade de assimilar a personificação de uma criança autista chega a ter um tom de crueldade, contudo não ficar entusiasmado e fascinado ao olhar para uma destas crianças, seria também não perceber o tamanho do brilhantismo que provem das mesmas, pois apesar de todos os sintomas e dificuldades impostos pelo distúrbio propriamente dito, todas essas crianças acabam apresentando grandes aptidões em algumas áreas específicas o que mostra um grande rompimento das barreiras que circulam essas crianças.

Marion Laboyer (1995, p.) em seu livro “Autismo Infantil fatos e modelos” inicia o seu prefacio com a seguinte citação: “O autismo é um distúrbio de desenvolvimento a tal ponto complexo que nenhum modelo, nenhuma abordagem clinica, metodológica ou terapêutica poderia, por si mesmo, abranger a verdade.”

 Não há como falar de autismo sem tomar como definição a descrição dada por Leo Kanner em 1943 no artigo “Distúrbios autísticos do contato afetivo”. São chamadas autistas as crianças que tem inaptidão para estabelecer relações normais com o outro; um atraso na aquisição da linguagem e, quando ela se desenvolve, uma incapacidade de lhe dar um valor de comunicação. Essas crianças apresentam igualmente estereotipias gestuais, uma necessidade imperiosa de manter imutável seu ambiente material, ainda que dêem provas de uma memória freqüentemente notável. Contrastando com esse quadro, elas têm, a julgar por seu aspecto exterior, um rosto inteligente e uma aparência física normal (LEBOYER, 1995 p. 9).

Frances Tustin descreve que autismo significa viver em termos do próprio eu (self), o que esta de acordo com o fato, por demais constatados, de que uma criança em estado de autismo parece centrada em si mesmo, já que pouco reage ou responde ao mundo que o rodeia. Mas, paradoxalmente, uma criança nesse estado não se da conta, em verdade, do que ser um eu (self) significa (TUSTIN, 1975).

A dificuldade de compreensão do estado em que uma criança autista se encontra é tão grande que Schmidtbauer em seu artigo intitulado “Terror do Mundo Novo ou a Interpretação autista do velho mundo”, associa seus pacientes a buracos negros que engolem luz, e o trabalho do terapeuta com o de tecer fios de sentidos e de afetos na tentativa de interação com essa criança, com seu modo particular de funcionamento e de comunicação.

Outro ponto em que notamos a complexidade de se entender o autismo como uma forma única de pensar, é na fonte de confusão notado por Rutter (1979), que ao comparar os conceitos dados por Bleuler e Kanner se depara com uma via de mão dupla em sentidos contrários, em quanto Kanner mostrava a importância que queria atribuir à noção de afastamento social, Bleuler conceituava o autismo nos esquizofrênicos como um retraimento ativo no imaginário. Na realidade sugere, primeiramente, um retraimento fora das relações sociais enquanto Kanner descreve a incapacidade de desenvolver o relacionamento social; em segundo lugar Bleuler implica uma vida imaginaria rica, enquanto que as observações de Kanner sugerem uma falta de imaginação; e em terceiro lugar, Bleuler postula uma ligação com a esquizofrenia dos adultos (apud LEBOYER, 1995).

Na classificação do DSM.IV, o Transtorno Autista está localizado dentro dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, portanto, essencialmente, o autismo infantil é um transtorno do desenvolvimento da pessoa, em outras palavras, é um transtornos constitucional. A classificação CID.10, da mesma forma, fala do Transtorno Autista como um transtorno global do desenvolvimento, caracterizado assim um desenvolvimento anormal ou alterado, o qual deve se manifestar antes da idade de três anos e apresentar uma perturbação característica das interações sociais, comunicação e comportamento.

Winnicott atuou como psiquiatra infantil por quase meio século, onde elaborou um material extenso e rico sobre o autismo, ele postula o autismo não como uma doença genética, mas sim uma doença emocional:

A doença é uma perturbação do desenvolvimento emocional e uma perturbação que avança tanto no passado que, em certos aspectos pelo menos, a criança é intelectualmente deficiente, e em certos aspectos pode revelar evidências de brilhantismo (WINNICOTT 2008).

            Segundo a psiquiatra inglesa Lorna Wing o grau de autismo é variável, isto é uma “Tríade de Impedimentos Sociais” que se caracteriza por déficits na interação social, na comunicação e na imaginação, que variam ao longo do tempo, tanto no seu grau de severidade, quanto na sua forma. Lorna introduziu assim o conceito “Espectro do Autismo” abrangendo todas as manifestações que estão diagnosticadas com autismo (VILA 2009). 

Até hoje o Transtorno Autista carece de maiores explicações médicas para seu aparecimento. Alguns autores tentaram estabelecer uma relação da frieza emocional das mães e dos pais com o desenvolvimento autista. O próprio Kanner julgava que a atitude e comportamento dos pais pudessem influir no aparecimento da síndrome. Ele havia observado em seus 11 pacientes iniciais que seus pais eram intelectualizados e emocionalmente frios, na grande maioria dos casos. 

Winnicott transcreveu mais de 200 casos de autismo de uma maneira detalhada, para ele o estudo do autismo tinha de ser de maneira microscopia, não bastava conhecer só o presente do âmbito familiar, tinha de analisar o passado do meio familiar e também analisar individualmente os pais da criança;

A Mãe para Winnicott tem um papel fundamental, ele cita que o fracasso por parte da função materna, pronuncia um desastre na vida do bebe, no início o bebê precisa da atenção completa da mãe, e normalmente recebe exatamente isso; e neste período é estabelecida a base da saúde mental do bebê, como demonstra o caso abaixo;

 O menino está com 6 anos de idade, e a mãe também está em tratamento médico. O menino é tipicamente autista, e sua única preocupação são jarros. Seu relacionamento com os seres humanos é mínimo. Meu amigo me diz que a mãe só depois de dois anos conseguiu contar como a doença do filho começara. Antes de o bebê completar um ano, ela teve uma longa faze de depressão, moderadamente grave. Durante esta fase, ela era completamente incapaz de tolerar o som de um bebê chorando, e para lidar com isso ela mantinha uma mamadeira sempre pronta; no momento em que o bebê começava a chorar, ela simplesmente colocava a mamadeira na em sua boca e assim conseguia fazer com que ele parasse de chorar, sem precisar fazer nada pessoal em relação ao bebê, sem precisar fazer contato com ele, e certamente sem segura-lo e acaricia-lo. Desde essa época, o bebê se ajustou ao seu esquema e substituiu  um relacionamento interpessoal por um relacionamento com a mamadeira. Havia uma linha direta disto para com a preocupação com os jarros e o aspecto negativo global do quadro autístico.

Este caso ilustra o papel fundamental da mãe para o desenvolvimento saudável do bebê, As mães precisam criar confiança no investigador para que ele possa compreender os detalhes do seu relacionamento com o bebê. O aparecimento do autismo não é exclusivo na idade pós fetal do bebe, o autismo pode se desenvolver nas próximas fases, onde o assunto se torna demasiadamente complexo.

Outro caso que Winnicott transcreve nos mostra o desenvolvimento da criança em relação a determinadas habilidades que uma criança autista pode desenvolver.

            Quando conheci Ronald, aos 8 anos de idade, ele tinha uma habilidade excepcional para desenhar. Era não só um observador acurado, mas também um artista, Ele desenhava compulsivamente o tempo todo em que estava acordado, seus desenhos tinham principalmente temas botânicas, seu interesse incluía toda a história de vida do desenvolvimento da plantas. Mais tarde, ele dirigiu a sua atenção ao desenvolvimento animal, e com ajuda ele passou a se interessar por uma ampla variedade de fenômenos. Entretanto, à parte do desenho, ele era uma criança autista típica. Suas dificuldades dominavam e cenário em casa, onde duas crianças menores sofriam profundamente por serem eclipsadas, e era difícil encontrar uma escola que tolerasse sua necessidade de controle onipotente de todas as situações o tempo todo.

A mãe também era uma artista, e de certo ponto de vista considerou exasperador ser mãe, pois embora gostasse dos filhos e seu casamento fosse feliz, nunca podia se absorver completamente em seu estúdio da maneira como precisava fazer para conseguir resultados como artista. Foi com isto que este menino teve de competir quando nasceu. Ele competiu com sucesso, mas a certo custo. A história inicial deste menino é a seguinte: a mãe considerou ruim a gravidez. Havia placenta marginal prévia. O nascimento ocorreu num país subdesenvolvido em que um velho médico sem ajuda teve grande dificuldade para levar o parto a uma conclusão satisfatória. Neste processo, ele quebrou o cóccix da mãe. Nem mesmo se sabe com qual apresentação o médico teve de lidar, provavelmente uma apresentação facial, e sua face ainda tinha forma esquisita aos 2 meses de idade. Antes do nascimento, a mãe sentira muito enjôo. Três semanas depois do nascimento, ela teve icterícia, o que encerrou a amamentação. Aos dois meses, a mãe lembra-se de ter dado uma palmada no bebê, por exasperação, embora não estive-se consciente de odiá-lo. Desde o início ele teve um desenvolvimento lento. Havia uma babá, na época, que dominava o cenário, ele sentou aos dez meses e caminhou aos 22 meses. Suas primeiras palavras foram tardias, e os dois anos ela falava poucas palavras. A os quatro anos, ele gradualmente começou a falar. Havia certa fraqueza nos membros inferiores, de modo que ele usou botas especiais, e a mãe foi informada que seus músculos eram fracos. Seu tônus muscular permaneceu insuficiente.

 Ele continua usando a roupa toda que está vestindo, independentemente do clima, isto é parte do quadro global de seu relacionamento anormal com a realidade externa. O quadro aqui é de uma criança que foi afetada fisicamente pelo processo do nascimento, mas não necessariamente em seu cérebro, embora possa ter havido anóxia. Sua lentidão fez com que não conseguisse despertar o interesse da mãe, o que de qualquer maneira era uma tarefa difícil em virtude de sua relutância em ser afastada de sua principal preocupação, a pintura.

Podem-se observar dois fatores comuns entre os casos anteriores, um fracasso por parte da função maternal, e também a um interesse por algo fixo. Nos dois casos já é esperado uma limitação intelectual nestas crianças, mas o que é realmente intrigante é a habilidade extraordinária muito além da idade em relação a flores e seus desenhos de temas botânicos, Winnicott (2008) cita que mesmo havendo uma dificuldade com aritmética por parte de Ronald, em seus desenhos ele apresentava uma exatidão em relação ao número de pétalas e outros detalhes de forma absoluta.

Talvez essa paixão por música, artes, flores alimenta o autista de certa forma que se torna o todo de sua vida, suprindo qualquer necessidade de um contato social; Ou talvez o autista se sinta protegido em seu mundo intrapsíquico, um mundo de imaginação onde tudo é possível, um lugar onde ele possa ter o carinho e atenção que lhe faltou quando bebê; Ou quem sabe, seja uma alma, vivendo em uma prisão psicológica, onde anseia bravamente a liberdade que  em algum momento de sua vida imatura foi aprisionada

Se você gostou desse texto ou tem uma indicação de um tema que você gostaria de saber mais comente ali em baixo !